Sunday, October 24, 2010

A melhor forma de ser de esquerda é ser de direita?


Quem está habituado ao futebolês, certamente já terá ouvido a expressão "a melhor defesa é o ataque" (e, se calhar, também ouviu o inverso). A ideia base é a de que enquanto uma equipa ataca, a adversária não consegue fazê-lo, logo o ataque funciona como se fosse uma forma de defesa. Pergunto-me se na esfera política sucederá um fenómeno similar, por exemplo, se a melhor forma de ser de esquerda é ser de direita. Seria no mínimo, conceptualmente interessante.

A direita está tipicamente a associada à economia de mercado, à eficiência da afectação de recursos e ao incentivo à criação de riqueza. A esquerda centra-se mais na equidade e no equilíbrio social, usando os impostos sobre a riqueza criada como mecanismo de nivelamento. Creio que não haverá hoje gente de direita que não defenda uma certa dose de nivelamento social e na esquerda (séria) quem não reconheça méritos à economia de mercado.

O princípio base subjacente à lógica da economia de mercado, contrariamente à economia de planeamento central, é o de que é impossível que uma única entidade consiga recolher e analisar toda a informação relevante para decidir sobre que bens (ex: telemóveis, carros) e serviços (ex: restaurantes, transportes públicos) devem ser produzidos. Este princípio reconhece que há um limite àquilo que uma qualquer entidade pode saber, especialmente quando alargamos o leque de informação relevante a todos os sectores de actividade. 

Reconhecemos que o princípio acima se aplica à produção de bens e serviços, mas não à distribuição de riqueza e à justiça social. Aí delegamos a tarefa ao Estado, que deve ser capaz de recolher e analisar informação para que tome as melhores decisões no que diz respeito aos mais carenciados. Não deixa de ser interessante que uma sociedade que não confia no Estado para produzir "coisas" (bens e serviços), confie nesse mesmo Estado para "tratar" de pessoas -- na vertente social. É, no mínimo, curioso.

Será o estado capaz determinar centralmente, com precisão, quem precisa e que não precisa de apoio social? Será o âmbito da acção social tão reduzido que é possível recolher e analisar a informação necessária para tomar boas decisões? Será mais difícil enganar um gabinete da segurança social ou a família e os vizinhos? Será justo que alguém que precise apoio social tenha de preencher múltiplos formulários e ser sujeito a uma burocracia que parece ter sido desenhada para quem é pós-doutorado numa ciência qualquer?  Será mais "social" endereçar as pessoas através de desconhecidos ou através dos que lhe são próximos? A centralização do "social" no estado cria ou não um afastamento e uma desresponsabilização do lado social de cada um de nós? ("Eu não ajudo o mendigo na rua porque já ajudei quando paguei os impostos. Tem de ser o Estado a tratar dele.") A centralização, ao fazer crescer o montante angariado pelo Estado, incentiva ou não o mau uso dos dinheiros públicos por parte de políticos sem escrúpulos? Incentiva ou não a corrupção?

Que modelo seria este em que o Estado não seria o responsável pelos rendimentos de inserção social e coisas afins? Baixariam os impostos? Seria o suficiente para que cada cidadão usasse essa fatia de rendimento para apoiar situações de necessidade e desigualdade ao seu redor? Será que o facto de saber que o Estado já não tem a responsabilidade de intervir, serve como um incentivo à acção, como uma responsabilização? Será que o dinheiro iria ficar "retido" no bolso de cada cidadão? Seria melhor ter um modelo em que o Estado obrigasse a que essa fatia tivesse que ser efectivamente dada a terceiros ou instituições do sector social? Seria gerada demasiada burocracia no processo de controlo dos donativos?

Será que que chegaríamos à conclusão que a melhor forma de ser de esquerda -- de ser "social" -- é ser de direita, deixando que as relações sociais determinem os esforços de acção social de todos nós?


PS: Estou convicto que a lógica de mercado revelaria de forma mais evidente a natureza do ser humano, tanto naquilo que é bom (e extraordinário) como no que é mau. Só que "dessa vez", não haverá um Estado ou um Governo para criticar e em quem colocar todas as (merecidas) culpas. "Dessa vez", teremos mesmo que nos olhar ao espelho -- no bom e no mau.

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